Consulta COPAT nº 80, de 14.10.2025
- Pe/SEF SC de 15.10.2025-
ICMS. CREDITAMENTO. BENS DE USO E CONSUMO. REGIME DE CRÉDITO FÍSICO. O CREDITAMENTO DO ICMS INCIDENTE SOBRE A AQUISIÇÃO DE PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS EMPREGADOS NO PROCESSO PRODUTIVO DEPENDE DA COMPROVAÇÃO DE SEU CONSUMO IMEDIATO E INTEGRAL, ALÉM DE SUA INTEGRAÇÃO FÍSICA AO PRODUTO FINAL. MATERIAIS QUE SOFREM DESGASTE GRADUAL, AINDA QUE ESSENCIAIS À ATIVIDADE PRODUTIVA, MAS QUE NÃO SE INCORPORAM AO PRODUTO FINAL, CARACTERIZAM-SE COMO DE USO OU CONSUMO DO ESTABELECIMENTO, CUJO DIREITO AO CRÉDITO ENCONTRA-SE POSTERGADO PARA 1º DE JANEIRO DE 2033, CONFORME O ART. 33, I, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 87/1996 .
Nº Processo: 2570000023117
DA CONSULTA
Trata-se a presente de consulta formulada por empresa dedicada à construção, conversão, reparo e manutenção de embarcações de médio e grande porte.
A consulente informa que, para a realização de suas atividades industriais, adquire uma vasta gama de materiais (materiais para amarração e içamento, baterias e pilhas, itens de enfermaria, ferramentas manuais, materiais de manutenção e infraestrutura, materiais de escritório, materiais para proteção e transporte, entre outros), os quais são consumidos ou sofrem desgaste gradual no decorrer do processo produtivo. A consulente relata que não tem efetuado o creditamento do ICMS incidente na aquisição desses insumos.
A consulente entende que tem direito ao crédito com base em recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.775.781/SP), que estabeleceu a possibilidade de creditamento de ICMS sobre a aquisição de produtos intermediários essenciais ao processo produtivo, ainda que não se integrem fisicamente ao produto final e sejam consumidos ou desgastados gradativamente. A empresa anexa um laudo técnico detalhando os itens que considera passíveis de creditamento.
Assim, questiona se são passíveis de creditamento de ICMS a aquisição dos insumos detalhados em laudo técnico, que são consumidos ou desgastados no processo produtivo e considerados essenciais à sua atividade-fim, ainda que não se integrem fisicamente ao produto final e, em caso afirmativo, se é possível realizar o creditamento extemporâneo desses valores, respeitado o prazo prescricional.
O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.
É o relatório, passo à análise.
LEGISLAÇÃO
Constituição Federal , artigo 155 , § 2º, I. Lei Complementar nº 87/1996 , arts. 20 e 33 , I.
FUNDAMENTAÇÃO
A análise da matéria objeto da presente consulta cinge-se à definição da natureza dos materiais adquiridos pela consulente, que se desgastam ou são consumidos gradualmente no processo produtivo de construção e reparo de embarcações, para fins de creditamento do ICMS. A questão central é distingui-los entre insumos, cujo crédito é imediato, e materiais de uso ou consumo, cujo direito ao crédito se encontra postergado.
O princípio da não cumulatividade do ICMS, insculpido no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal , é operacionalizado pela técnica da compensação entre débitos e créditos. Contudo, a amplitude desse direito ao crédito não é irrestrita. É entendimento pacífico, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal (RE 704815, Tema nº 633), que a sistemática constitucional adotada foi a do crédito físico, e não a do crédito financeiro.
Pelo regime do crédito físico, somente ensejam creditamento os bens que se integram fisicamente à mercadoria final e são consumidos de maneira imediata e integral durante o processo produtivo. Como bem pontuou o Ministro Gilmar Mendes no voto condutor do referido julgado, não há cumulatividade de incidências quando um bem é meramente usado ou consumido no processo, pois tal insumo não será objeto de nova tributação na saída do produto final.
A Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), ao regulamentar o imposto, traçou as balizas para o aproveitamento dos créditos. O seu art. 20 assegura ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado na entrada de mercadorias no estabelecimento, inclusive as destinadas ao seu uso ou consumo. Todavia, o art. 33, I, do mesmo diploma legal, impõe uma clara limitação temporal a essa prerrogativa, estabelecendo que "somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2033".
Dessa forma, a legislação de regência distingue claramente os insumos dos materiais de uso e consumo. Os primeiros são aqueles que integram o produto final e se esgotam por completo e instantaneamente na cadeia produtiva, gerando crédito imediato. Os segundos, por sua vez, são todos os demais materiais que, embora possam ser necessários ou até essenciais à atividade, não se enquadram na definição de insumo, tendo seu creditamento postergado.
No caso em tela, a consulente elenca uma vasta gama de materiais, como ferramentas, itens de enfermaria, materiais de escritório, de amarração e içamento, entre outros, que são consumidos ou sofrem desgaste gradual ao longo do processo de construção e reparo de embarcações. Ora, essa característica (o desgaste progressivo e a não integração física ao produto final) é justamente o que os qualifica como materiais de uso ou consumo.
O argumento da consulente, amparado em precedente do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.775.781/SP), de que a essencialidade do material ao processo produtivo seria suficiente para caracterizá-lo como insumo, não encontra respaldo na legislação e na jurisprudência aplicável ao ICMS em Santa Catarina.
Nesse sentido, em sede de IRDR, o Grupo de Câmaras de Direito Público TJ/SC sob o Tema nº 10, cujo processo paradigma foi o de nº 5040680-69.2018.8.24.0000, firmou a tese de que: "O creditamento do ICMS incidente sobre a aquisição de produtos intermediários empregados no processo produtivo, na vigência da Lei Complementar nº 87/1996 , depende da comprovação de seu consumo imediato e integral, além de sua integração física ao produto final".
Permitir o creditamento com base unicamente no critério da essencialidade esvaziaria o comando normativo do art. 33 , I, da LC nº 87/1996 , pois grande parte dos materiais de uso e consumo podem ser considerados essenciais à atividade empresarial.
O desgaste decorrente do uso é inerente à atividade industrial e não se confunde com o consumo imediato e integral que a legislação exige para a apropriação do crédito. Tais bens não se movem na cadeia de circulação do ICMS, não havendo, portanto, etapa posterior de tributação a ser compensada.
Destarte, os materiais listados pela consulente, por não se incorporarem ao produto final e por sofrerem desgaste paulatino ao longo do tempo, enquadram-se na definição de bens de uso e consumo do estabelecimento.
O direito ao crédito de ICMS decorrente de suas aquisições submete-se à limitação temporal imposta pelo art. 33 , I, da Lei Complementar nº 87/1996 .
Diante da ausência do direito ao crédito no período consultado, resta prejudicada a análise do segundo questionamento, referente à possibilidade de creditamento extemporâneo.
RESPOSTA
Diante do exposto, responda-se à consulente que o creditamento do ICMS incidente sobre a aquisição de produtos intermediários empregados no processo produtivo depende da comprovação de seu consumo imediato e integral, além de sua integração física ao produto final. Materiais que sofrem desgaste gradual, ainda que essenciais à atividade produtiva, mas que não se incorporam ao produto final, caracterizam-se como de uso ou consumo do estabelecimento, cujo direito ao crédito encontra-se postergado para 1º de janeiro de 2033, conforme o art. 33 , I, da Lei Complementar nº 87/1996 .
À consideração da Comissão.
DANIEL BASTOS GASPAROTTO
AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL - Matrícula: 9507256
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 18.09.2025.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586 , de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Responsáveis
DILSON JIROO TAKEYAMA
Presidente COPAT
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA
Gerente de Tributação
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA
Presidente do TAT
CAROLINA VIEITAS KRAJNC ALVES
Secretário(a) Executivo(a)